quarta-feira, 17 de setembro de 2014

SANGUE NO ASFALTO


                                      Evidio Zimmer evidio@bol.com.br
          Quando Jorge me procurou ele estava bastante nervoso. Tinha acabado de perder um amigo num acidente estúpido, como ele mesmo o definiu e precisava de ajuda.
          - Sou Norman Cole – eu disse ao me apresentar – sou detetive de casos especiais. Talvez eu possa ajudar.
          - Espero. Assim espero – disse enquanto sentava na poltrona que eu havia lhe indicado.
          - Quer tomar alguma coisa?
          - O senhor tem whisky?
          - Sou de origem inglesa – respondi – adoramos essa bebida – e imediatamente fui preparar duas doses para nós.
          Ele pegou o copo e logo sorveu um gole.
          - Se quiser começar estou pronto – falei tomei de tomar também um gole da minha bebida. Ele se ajeitou na poltrona e começou seu relato.
          - Acho que posso ser franco. O senhor deve estar acostumado a ouvir histórias esquisitas.
          - Exatamente – confirmei – na minha profissão já ouvi de tudo. Não creio que o senhor consiga me surpreender.
          Isso não era de todo verdade, mas falei para deixar meu cliente mais a vontade.
          - Está bem – disse confiante – um dos meus grandes amigos foi atropelado por um carro em alta velocidade. O motorista disse que ele estava parado no meio da rua examinando o chão. Procuramos por provas e encontramos uma câmera que gravou toda a sena, dando razão ao atropelador.
          - O senhor tem as imagens?
          - Tenho.
          Ele retirou um tablet de uma pasta que trazia com ele e me mostrou as imagens.
          - Observe que a câmera mostra inúmeras pessoas passando na calçada, quando o meu amigo chega e fica perplexo.
          Observei as imagens e vi que ele tinha razão. As pessoas passavam e iam embora sem se impressionarem. Quando Carlos, o amigo do meu cliente chega ele fica perplexo, olha em volta, vai até o muro, olha para rua e começa a filmar com um tablet.
          - Dá a impressão de que ele viu algo que os outros não viram – falei.
          - Exatamente. Só que não é isso o que mais impressiona.
          - E o que é então?
          - É o que virá em seguida.
          A câmera mostra Carlos filmando o muro, o trajeto até a pista e logo em seguida aparece um carro em alta velocidade que atropela Carlos, jogando-o na calçada.
          - Impressionante – eu disse meio assustado com as imagens.
          - Talvez o senhor não tenha percebido, mas aconteceu algo muito estranho, segundo essas imagens.
          Apertei os lábios e me aproximei do tablet.
          - Pode ser – eu disse – sou acostumado a investigar, mas às vezes alguns detalhes me escapam ao primeiro olhar.
          - Acho que o senhor não percebeu, mas o meu amigo filmou exatamente o trajeto que o seu corpo fez depois de ter sido atingido pelo carro.
          Eu juro que não havia percebido isso.
          - Posso ver as imagens novamente?
          Ele ligou o vídeo novamente e aí pude ver que era verdade.
          - Caramba! – eu falei impressionado – sabe que eu não tinha percebido isso?
          - O será que ele filmou?
          - O tablet dele não mostra?
          - Na verdade o equipamento quebrou com o impacto.
          - E não teve conserto?
          - Um técnico que eu procurei disse que não.
          - Eu tenho um amigo muito bom em consertos. Será que ele não conseguiria dar um jeito?
          - Tomara – disse Jorge abrindo sua pasta e retirando de lá um tablet com a tela quebrada. – Se o senhor quiser tentar, eu ficarei torcendo para que consiga.
          Eu peguei o tablet, lhe entreguei o meu cartão, fiquei com o número do seu telefone, o e-mail e ele foi embora.
          - Assim que eu tiver uma resposta farei contato.
          Alguns dias se passaram até que o meu amigo me ligou dizendo que tinha conseguido recuperar as imagens. Nem precisei ir até a casa dele. Ele me enviou o vídeo pela internet. Depois de analisar as imagens e tirar algumas conclusões liguei para Jorge.
          - Pode vir – eu disse – conseguimos recuperar as imagens.
          Quando ele chegou eu já o aguardava com a bebida pronta e o vídeo preparado para ser assistido.
          - O senhor acha que encontrou a solução?
          - Creio que sim. – Fiz uma pausa, sentei, tomei um gole e continuei – ele era espírita?
          O meu cliente ficou surpreso com a minha pergunta.
          - Sim, era. Ele dizia que falava com espíritos, parecia meio doido, mas era uma boa pessoa – justificou.
          - Não estou aqui para julgá-lo – eu disse – estou apenas tentando entender à situação.
          - Estou à vontade – disse o meu cliente.
          - Então vamos assistir ao vídeo que depois eu explico.
          O vídeo mostrava primeiro o próprio Carlos falando.
          “Estou diante de mais uma cena espantosa” – dizia Carlos no vídeo – “eu vejo sangue no muro, na calçada e sinais de freada no meio da pista, mas percebo que as pessoas passam e não se importam, como se não estivessem vendo o sangue. Vou filmar para colher provas”.
          Carlos começa a gravar, grava o muro onde dizia haver sangue, esse que na verdade não aparece nas imagens feitas pela própria vítima. Depois ele grava todo o trajeto até a pista, onde segundo seu relato há sinais de freada, quando o tablet é lançado para o alto e ao girar ainda conseguiu pegar parte da sena com Carlos sendo arremessado para a calçada, onde morreu instantaneamente.
          - Incrível e horrível, não é mesmo? – Disso o meu cliente espantado.
          - Exatamente.
          Ele tomou mais um gole e perguntou:
          - O senhor sabe o que aconteceu?
          - Sei.
          - Então diga.
          - Segundo o que o senhor me relatou, ele era médium.
          - Pelo menos dizia ser. Também dizia que via almas que estavam no outro mundo.
          - Então segundo minhas conclusões, a sua sensibilidade conseguiu ver o seu sangue, segundos antes mesmo de estar ali, ele já o via, mas não conseguiu perceber que esse sangue era dele e dessa forma, tentando registrar o que os outros não viam, caminhou para a sua própria morte.
          O meu cliente largou o copo, baixou a cabeça e pensou durante algum tempo.
          - O senhor quer dizer que ele era mesmo vidente?
          - Não.
          - Mas ele afirmou que via sangue.
          - Poderia ter sido uma alucinação e a sua imprudência o levou a morte. Já testemunhei casos onde tudo não passava de uma alucinação. Mas esse não é o caso. O senhor queria saber o que tinha acontecido o que o seu amigo viu, de fato, isso não importa.
          Ele pegou o copo, tomou mais um gole e concordou.
          - É verdade. Nunca vamos saber se ele realmente era médium, se via seres que estavam em outro mundo ou se os imaginava com tanta intensidade que até tentou filmá-los, mas agora sei o que se passou.
          O meu cliente foi embora satisfeito e eu tive mais um caso para a minha coleção. Afinal, sou Norman Cole, o homem que desvenda o invisível.